Nos últimos dias, a internet foi tomada por uma onda de imagens que parecem saídas diretamente dos filmes mágicos do Studio Ghibli, conhecido por criações como Meu Amigo Totoro (1988), A Viagem de Chihiro (2001) e O menino e a garça (2023). Tudo começou com o lançamento do novo gerador de imagens da OpenAI, batizado de “Images for ChatGPT”.
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Cena do filme Meu Amigo Totoro. (FOTO: Divulgação/Studio Ghibli) |
Mas o que começou como uma diversão despretensiosa logo se transformou em um debate sobre arte, ética e tecnologia que tem dividido opiniões.
Nas redes sociais, enquanto muitos aderiram à trend – entregando os seus dados para ajudar a alimentar o banco de dados da IA –, alguns protestaram, denunciando ser mais do que uma simples brincadeira.
O cofundador do Studio Ghibli e cineasta japonês Hayao Miyazaki, em entrevista de 2016, já havia rejeitado o uso deste tipo de ferramenta para se criar arte, chamando a IA de “um insulto à própria vida”.
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Famosos a exemplo de Maiara & Maraisa, Ronaldinho Gaúcho e Ana Maria Braga entraram na trend. (FOTOS: Reprodução) |
“O grande problema da popularização de determinadas ferramentas de IA é que elas propagam a ideia de que o desenho, em determinado estilo, é algo gratuito, e que todo mundo pode fazer igual por meio de um computador. Essas tecnologias estão aí, e não vai ser possível contê-las. Então, é a hora de os autores se readaptarem para tomar as rédeas disso”, diz José Alberto Lovetro, presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil.
Para os criadores, porém, o problema vai além de uma simples concorrência da máquina. Ele traz também implicações para o direito autoral. Ferramentas de IA, vale lembrar, não aprendem a gerar imagens sozinhas.
Em seu treinamento, elas são alimentadas por conteúdos criados por seres humanos — e isso inclui, é claro, obras de arte. Se uma máquina é capaz de recriar um desenho no estilo Ghibli, é porque ela “consumiu” milhares de materiais produzidos pelo estúdio, defendem alguns artistas.
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Hayao Miyazaki criticou utilização da inteligência artificial. (FOTO: Divulgação) |
A artista e designer capixaba Julia Cardoso, do Kida's Art, que tem trabalho artístico hoje voltado para o nicho de casamentos, destaca o lado positivo dessa situação.
“Justamente por a IA está tão avançada e só vai avançar mais, não tem como a gente frear. Está ficando tão banal fazer ilustrações tão incríveis com a IA em quatro, cinco minutos, até menos, dá para ver já uma grande tendência de marcas grandes investindo em artistas, principalmente artistas manuais que mostram seus projetos manualmente, com tecido, com pintura, com modelagem, por exemplo”, afirma.
Julia avalia que é uma tendência que está voltando, pois quando fica popularizado as pessoas querem ver o contrário.
“A popularização do desenho digital por IA traz justamente o reconhecimento das pessoas que são artistas de verdade. O verdadeiro luxo vira fazer uma arte manual, você ser artista. Porque com a IA, qualquer um faz em quatro minutos. Então o incrível mesmo é você pegar um pincel e fazer uma tela incrível e realista. Dá medo, mas valoriza muito o artista que é artista de verdade”, conta.
O chargista Mindu Zinek fez uma charge para chamar a atenção dos seus seguidores. “Pô ChatGPT, não sufoca as(os) artistas...rsrs. [...] estarei fazendo a caricatura da galera ao vivo. Uma arte não tão inteligente, mas, pelo menos, nada artificial”, escreveu.
Projeto de lei
A OpenAI e o Google já afirmaram que, em sua interpretação, a lei de direitos autorais dos EUA permite que empresas de IA treinem seus sistemas em trabalhos protegidos por direitos autorais sem que precisem obter permissão ou compensação.
Essa afirmação foi contestada por um grupo de 400 líderes criativos – cineastas, escritores, compositores, por exemplo –, que enviou uma carta à Casa Branca pedindo ao governo Trump que não permita que empresas usem obras autorais para treinar modelos de IA.
No Brasil, o projeto de lei n° 2.338, que tramita desde 2023, atende a um pedido dos artistas por mais transparência no uso de suas criações. A lei obrigaria o desenvolvedor a informar o conteúdo que está usando na produção da ferramenta, e também a obter autorização dos titulares de direitos de autor.
“Hoje os artistas não têm visibilidade do que está sendo utilizado pelos desenvolvedores. O projeto obriga a dar essa transparência, mapeando as obras de terceiros usadas como base. Se eu pegar várias imagens do Sebastião Salgado e usar como fonte de um novo projeto de geração de conteúdo, terei que remunerar o titular das obras originais”, diz o advogado na área de propriedade intelectual Antonio Curvello.
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Cena de A Viagem de Chihiro. (FOTO: Divulgação/Studio Ghibli) |
Quem usa IA para criar pode reivindicar direitos sobre o que produz? Se levarmos em consideração as recentes respostas das autoridades americanas sobre o assunto, a resposta é: não, mas depende.
Nos últimos meses, os tribunais dos EUA tiveram que lidar com novas implicações de direitos autorais da indústria de IA. Artistas vêm apelando para a Justiça após ver o Escritório de Direitos Autorais dos EUA recusarem garantia legal de obras geradas por máquinas.
O caso mais recente, envolvendo uma obra de arte criada pelo sistema “Dabus”, de Stephen Thaler, promete servir de referência para futuras decisões. Thaler atribuiu a autoria da obra “Recent entrance to paradise” à máquina desenvolvida por ele.
Diante disso, o Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia decidiu que ela não poderia pertencer ao programador. Segundo o juiz, a ausência de autoria humana impossibilita o reconhecimento do direito autoral.
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